domingo, 27 de março de 2016

Cá estamos! Bem-vindos!

A nossa estória começou em Lisboa. Já tive o prazer de, em tempos, a contar ao jornal Sol e começa assim:

Uma tarde, no último dia de umas férias de Verão no Alentejo, sem a mínima vontade de voltar ao trabalho em Lisboa, baixou em mim a mui original fantasia de “ e se nos mudarmos aqui para o campo, remodelarmos o monte e o alugarmos a estrangeiros?”
“ Talvez um dia”. Foi a resposta do namorado, antes de começar a fazer as malas, sozinho.
Isto foi ainda antes da moda dos jovens licenciados, desgostosos com a vida na cidade, deixarem a correr os seus empregos e irem viver para o campo para se dedicarem à agricultura. Foi antes da moda dos revivalismos e dos pequenos negócios da internet chegarem à televisão.
Um par de anos mais tarde, quando arrumava, angustiada e à pressa, a nossa vida citadina em caixas de cartão já pouco ou nada havia dessa tarde, em que não me apeteceu voltar ao barulho de Lisboa, e da fantasia de ir para o Alentejo e transformar o monte, que tinha sido dos avós do namorado e que estava abandonado, num turismo rural.
Os últimos dias em Lisboa foram uma sucessão de “últimas vezes”. A última vez que desço a rua a pé para fazer compras na mercearia. A última vez que compro o jornal no quiosque das traseiras. A última vez que vou encontrar a minha amiga na Casa do Alentejo. A última vez que apanho o autocarro 35 para casa. A última vez que descemos juntos a Graça. Uma sucessão de momentos nostálgicos e dramáticos, alternados com ataques de pânico e falta de ar. O namorado, companheiro nos momentos difíceis, amparava-me como podia.
A ideia de deixar a minha Lisboa era um pesadelo. Calçada portuguesa à parte, ia-me faltar o Bairro Alto, o ir ali num instantinho ao miradouro da Graça beber um café, as compras no Chiado, o beber um copo no Cais do Sodré a caminho de casa, o Berardo quando chegávamos a Algés e afinal estava demasiado nublado para ir à praia. De repente, uma parte de mim até se achava capaz de escrever um fado, tal era o dramalhão em que me achava envolvida.
A outra parte, mais prática e despachada, escarnecia da súbita veia de fadista, já andava a reunir caixas há meses e até já tinha etiquetado cada caixa. E mal podia esperar para se ir enfiar no Ikea a comprar os móveis para a casa nova.
É que, em boa verdade, é preciso dizer que Lisboa nem sempre me tratou muito bem. Começando pela dificuldade em arranjar uma casa pequena a um preço razoável e num bairro histórico, passando pela falta de trabalho e, por consequência, pela falta de orçamento para correr todas as tascas e esplanadas da moda apregoadas pela bíblica Time Out até à queda monumental que dei à porta de casa. Que me deixou a ver estrelas, com arrepios a coxear nos dois meses que se seguiram.
Mas trocar Lisboa pelo Alentejo é muito mais do que pensar em decoração. É escolher uma vida mais simples. Mais crua. Menos camuflada por distracções. É afastarmo-nos de tudo aquilo que conhecemos por estar mesmo ali ao virar da esquina. Uma livraria, uma loja de
música, uma variedade de supermercados, as nossas queridas lojas de roupa, o conforto dos amigos.
Começar um negócio novo é sermos livres no melhor e no pior sentido. É termos mais tempo e menos dinheiro. É assumirmos o risco por inteiro e sermos afectados directamente pelos nossos erros. Por outro lado, eu gostava mais de Lisboa do que Lisboa gostava de mim. E o Alentejo, meio esquecido entre a elegante capital e a loucura do Algarve, também merecia uma oportunidade. E eu sempre tive um fraquinho por casos difíceis.


Sem comentários:

Enviar um comentário